Especial – Um mergulho no mundo das SAF Mundiais | FutNews

Nos últimos anos, o modelo de Sociedade Anônima do Futebol (SAF) se consolidou como uma das alternativas mais discutidas e promissoras para a reestruturação financeira e administrativa dos clubes de futebol no Brasil. Criado para permitir que as equipes possam buscar recursos privados, a SAF foi formalmente regulamentada pela Lei nº 14.193, de 2021, e se tornou uma das alternativas para clubes que enfrentam problemas financeiros crônicos, permitindo a entrada de investidores, profissionalização da gestão e a implementação de uma estrutura mais eficiente.
Mas o que exatamente é uma Sociedade Anônima do Futebol, como ela funciona e quais são suas vantagens e desvantagens tanto para os clubes quanto para os investidores? Quais são os riscos e como se prevenir de fraudes nesse modelo? Para entender melhor esse novo modelo, vamos analisar suas características, discutir os prós e contras, e trazer exemplos de clubes que se deram bem e outros que enfrentaram dificuldades ao adotar a SAF.
O que é uma SAF?
Uma Sociedade Anônima do Futebol (SAF) é uma estrutura jurídica que separa o futebol do clube tradicional. Basicamente, os clubes de futebol que optam por essa transformação criam uma nova empresa dedicada exclusivamente à gestão da modalidade. Essa empresa funciona de forma independente, com a possibilidade de captar recursos do mercado e de investidores, mantendo um modelo de governança mais transparente e profissional.
A SAF é regida pela Lei 14.193/2021, que estabelece as regras para a criação e operação dessa nova entidade, permitindo que o futebol seja administrado de maneira mais eficiente, profissional e com a possibilidade de atração de capital privado.
Os clubes que optam por virar uma SAF podem abrir capital, atraindo investidores privados que compram ações ou participações na empresa. Essa mudança pode ajudar na captação de recursos para melhorias no elenco, na infraestrutura e na gestão financeira do clube, buscando uma maior sustentabilidade a longo prazo.
Como Funciona a SAF?
Para que um clube se transforme em uma SAF, é necessário passar por uma reestruturação que envolve:
Criação de uma empresa separada: O clube cria uma nova entidade jurídica dedicada exclusivamente à administração do futebol, que pode ser uma sociedade anônima de capital aberto ou fechado.
Abertura de capital ou venda de ações: O clube pode abrir o capital para investidores privados, o que significa que eles poderão adquirir ações da SAF. Em um modelo de capital fechado, o clube pode buscar investidores estratégicos que comprem uma participação significativa na empresa.
Transferência de ativos para a SAF: A partir da transformação, o clube transfere para a SAF todos os ativos relacionados ao futebol, como o time, o CT (centro de treinamento), contratos de jogadores, direitos de transmissão, entre outros. No entanto, o clube pode continuar a manter outros ativos, como propriedades do estádio e outros setores.
Governança independente: A gestão da SAF será comandada por um grupo de profissionais especializados, com um conselho administrativo e fiscal, buscando garantir uma administração mais eficiente e transparente. O modelo de governança visa à profissionalização do gerenciamento, o que inclui a contratação de executivos, a adoção de práticas de mercado e o controle financeiro rigoroso.
Distribuição de lucros: Os lucros gerados pela SAF podem ser distribuídos entre os acionistas, ou reinvestidos no crescimento da empresa, como a contratação de novos jogadores ou o aprimoramento das instalações. A SAF tem como objetivo o equilíbrio financeiro e a sustentabilidade econômica a longo prazo.
Vantagens da SAF
A adoção da Sociedade Anônima do Futebol pode trazer diversos benefícios para os clubes e também para os investidores, sendo a principal vantagem a profissionalização da gestão.
1. Captação de recursos
A SAF permite que clubes captem dinheiro diretamente do mercado financeiro, seja por meio de investidores privados, de parcerias estratégicas ou até pela abertura de ações ao público. Isso pode gerar uma grande injeção de recursos para fortalecer o elenco, melhorar a estrutura e realizar investimentos em longo prazo.
2. Profissionalização da gestão
Ao se tornar uma SAF, o clube pode adotar práticas de governança corporativa mais modernas, com a contratação de profissionais capacitados para as funções executivas e técnicas, sem depender de dirigentes amadores ou políticos. Isso tende a melhorar a eficiência na gestão e contribuir para a estabilidade financeira.
3. Sustentabilidade financeira
Com a entrada de capital privado, o clube pode sanar dívidas históricas e gerar receitas consistentes, sem depender tanto de patrocínios, bilheteiras ou cotas de TV, que podem ser voláteis. A ideia é tornar a operação mais previsível e menos suscetível a crises externas.
4. Modernização da estrutura
Investimentos em infraestrutura (como a construção de estádios e centros de treinamento) podem ser realizados mais facilmente. A transformação em SAF pode tornar o clube mais competitivo dentro e fora de campo, além de aumentar a capacidade de geração de receita com novos contratos, como os de direitos de imagem e transmissões.
5. Maior transparência e governança
A SAF exige maior transparência na gestão financeira e administrativa. Isso pode reduzir os riscos de má gestão, corrupção e favoritismo político, tão comuns nos modelos antigos de clubes, especialmente no Brasil.
Desvantagens da SAF
Apesar das várias vantagens, a adoção de uma SAF também apresenta alguns desafios e riscos, especialmente no que diz respeito à segurança jurídica e à efetividade do modelo.
1. Perda de identidade e controle do clube
Uma das principais desvantagens para os torcedores e associados é a perda de controle do clube. Ao se transformar em uma SAF, o futebol deixa de ser gerido pelos sócios do clube e passa a ser controlado por investidores que podem não ter compromisso com a tradição ou a identidade do time. Isso pode gerar insatisfação entre os torcedores, que temem pela comercialização exagerada da equipe.
2. Dependência do sucesso financeiro
A SAF depende muito da rentabilidade e do sucesso financeiro. Caso o modelo de negócio não seja bem-sucedido, o clube pode acabar comprometido com dívidas, perder parte do elenco ou até mesmo ter dificuldades em honrar compromissos com jogadores e fornecedores.
3. Riscos de investidores oportunistas
Clubes podem se tornar alvos de investidores oportunistas que buscam lucro rápido e não têm compromisso com o crescimento sustentável do time. Esse tipo de investidor pode comprometer a saúde financeira do clube em longo prazo.
4. Fraudes e gestão irresponsável
A complexidade do modelo pode criar brechas para fraudes, especialmente em mercados menos regulados. A falta de experiência de alguns gestores e a falta de regulamentação rigorosa em alguns países pode permitir práticas abusivas, como manipulação de contratos e desvio de recursos.
5. Impacto no longo prazo
Embora a SAF tenha o potencial de gerar grande crescimento, sua implementação e operação exigem uma visão de longo prazo. Se não for bem administrada, a transição pode ser turbulenta e prejudicar a trajetória do clube.
Riscos para o Clube e o Investidor
Riscos para o Clube:
Dependência de bons investidores: Se a escolha do investidor for equivocada, o clube pode ser prejudicado financeiramente ou perder sua identidade.
Vulnerabilidade à falência: Se o modelo de negócios falhar, a SAF pode levar o clube à falência ou à venda forçada.
Perda da autonomia: Torcedores e membros do clube podem sentir que perderam o controle sobre as decisões do time.
Riscos para o Investidor:
Investimento de risco: O futebol é um setor de altos e baixos, sujeito a resultados esportivos imprevisíveis, que podem afetar diretamente a rentabilidade do investimento.
Fraudes e má gestão: A falta de fiscalização adequada pode resultar em desvios financeiros e perdas para os investidores.
Cuidados com Fraudes
A transformação de clubes em SAFs pode ser uma oportunidade promissora, mas também pode abrir espaço para fraudes e desvios financeiros. Por isso, é fundamental que investidores e clubes tomem cuidados como:
Due diligence rigorosa: Antes de investir, é essencial realizar uma investigação detalhada sobre a saúde financeira do clube, seus passivos e ativos, a gestão atual e o histórico de resultados esportivos.
Auditorias externas: Manter auditorias regulares e independentes é uma forma de garantir que a gestão financeira da SAF seja transparente e que os recursos sejam usados corretamente.
Governança sólida: A adoção de boas práticas de governança, como a formação de conselhos administrativos e fiscais competentes, é essencial para prevenir fraudes e garantir a boa administração da SAF.
Momento atual no Brasil
O futebol brasileiro tem vivido uma revolução nos últimos anos, com a chegada das Sociedades Anônimas de Futebol (SAF). Ao todo, 63 clubes brasileiros já adotaram esse modelo, com outros dois em processo de adesão. Este movimento representa uma mudança de paradigma no futebol nacional, com clubes buscando alternativas para modernizar sua gestão financeira, atrair investidores e alcançar maior profissionalismo.
Entretanto, apesar do crescimento acelerado da SAF, o modelo ainda não está presente em todos os estados. Oito estados brasileiros ainda não possuem nenhum clube com a SAF, refletindo disparidades na adesão ao novo formato de gestão e investimento.
Clubes em Processos de Adesão e Expectativas
Atualmente, Botafogo-PB e Portuguesa estão em processo de transformação e devem se unir à lista de clubes com SAF nos próximos meses. A chegada da SAF ao Fluminense também é uma possibilidade real. O clube carioca já está no mercado em busca de investidores para fortalecer sua Sociedade Anônima de Futebol, um movimento que ganhou força nos bastidores com o avanço das negociações para captação de recursos.
Com a proximidade do fim da temporada e a chegada de novembro, o Fluminense tem sua expectativa voltada para um possível avanço nas conversas. As Laranjeiras, que já enfrentaram desafios financeiros, buscam agora um caminho mais seguro e sustentável por meio da modernização administrativa, algo que pode ser alavancado com a entrada de novos investidores.
A SAF tem o potencial de transformar profundamente o futebol brasileiro. Porém, o sucesso desse modelo não está garantido e dependerá de uma série de fatores: qualidade na gestão dos clubes, capacidade de atrair investidores e um novo relacionamento com a torcida.
Os clubes de menores estados, ou os mais afastados dos grandes centros, terão desafios maiores, mas também podem aproveitar o modelo para se profissionalizar de maneira mais eficiente. O futuro parece promissor, especialmente com clubes de mediano porte, como o Fluminense, em busca de investidores. Mas para a SAF realmente consolidar como um novo modelo de negócios no futebol brasileiro, será necessário um equilíbrio entre finanças sólidas, gestão competente e o fortalecimento da paixão das torcidas.
Exemplos de Sucesso
1. Real Madrid (Espanha)
Embora o Real Madrid não tenha se tornado uma SAF no sentido técnico da palavra, sua estrutura empresarial e de governança inspira muitos clubes. O clube é gerido de forma profissional, com uma administração focada no retorno financeiro e na gestão de ativos, como sua marca global e direitos de imagem. O sucesso financeiro do Real Madrid reflete o potencial de crescimento do modelo de SAF, mas dentro de um contexto já bastante consolidado.
2. Al-Ittihad (Arábia Saudita)
Na Arábia Saudita, a implementação de SAFs nos clubes tem sido um sucesso, principalmente com clubes como o Al-Ittihad, que se beneficiaram de investimentos pesados, incluindo parcerias com empresas estatais e privados. O foco na estrutura corporativa tem gerado grandes retornos financeiros e atratividade para novos investidores, além de impulsionar o nível técnico da liga saudita.
3. Botafogo (Brasil)
O Botafogo foi um dos primeiros clubes brasileiros a adotar o modelo de SAF, com a venda de 90% de suas ações para o empresário John Textor. Desde a transição, o clube tem se reestruturado financeiramente, com investimentos em infraestrutura e contratações, e vislumbra uma recuperação no cenário nacional e internacional. Embora ainda enfrente desafios, a mudança de estrutura tem trazido um novo fôlego para o alvinegro.
Também há histórias de fracasso, como a do Milan, da Itália:
O Milan, após ser adquirido por investidores estrangeiros, experimentou uma série de problemas financeiros e administrativos que afetaram o desempenho esportivo do time. Apesar da injeção de dinheiro, o clube não conseguiu encontrar estabilidade, tanto dentro quanto fora de campo, o que resultou em várias mudanças de gestão e uma relação instável com a torcida. A falta de uma estratégia de longo prazo e de uma governança eficaz contribuiu para o fracasso do projeto.
Conclusão
A adoção do modelo de Sociedade Anônima do Futebol representa um passo importante para a evolução do esporte no Brasil e no mundo, oferecendo vantagens claras, como a profissionalização da gestão e o acesso a novos investimentos. No entanto, é fundamental que clubes e investidores estejam cientes dos riscos envolvidos, como a perda de identidade do clube e o potencial de fraude. O sucesso da SAF dependerá da habilidade dos gestores em equilibrar as demandas financeiras com a paixão e a cultura que tornam o futebol tão amado por milhões de pessoas. O modelo traz inovação, mas exige também uma boa dose de responsabilidade e transparência para que seja sustentável a longo prazo.